Amiúde

Estava entrando numa farmácia e na entrada, um casal me chamou. Eles estavam em situação de rua. Me pediram a doação de um chinelo. Olhei para eles e percebi que a companheira dele estava com um par do chinelo nas mãos e faltava um pedaço. Eu doei o chinelo para ela e entrei na farmácia meio atordoada. Lembrei de Shakespeare que numa frase que eu li disse "que chorou por não ter sapatos e parou de chorar quando viu um homem sem pernas." Lembrei também de Machado de Assis que num conto narra a história de um homem imensamente feliz, e ele percebeu que o motivo da felicidade do homem eram as botas novas, ele entendeu o porquê da felicidade do homem ao perceber que ele olhava para as botas amiúde, ou repetidas vezes. A palavra amiúde, aprendi com Machado de Assis que conclui o conto afirmando que a felicidade pode ser um par botas. Quando ouvi pela primeira vez a música " Chão de giz" do Zé Ramalho', fiquei toda feliz porque eu sabia o significado de " Fotografias recortadas em jornais de folhas, Amiúde!". Mas o que me deixou realmente pensando foi na felicidade da mulher que ganhou o par de chinelos, e nem era o número dela, pois não havia o número dela na loja. Realmente a literatura pode sim, nos mostrar as sutilezas contidas nas tragédias do cotidiano e que existem pessoas que conseguem encontrar a felicidade em detalhes que fogem da nossa compreensão, mas que oferecem para as nossas vidas sentido e agradecimento por sermos abençoados em detalhes que nem percebemos.

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