SESSÃO SOLENE CÂMARA DOS DEPUTADOS

Quando me apresento ainda me custa acreditar na potência do encantamento de minha dança no público. Não esqueço a cara da platéia, todos os olhares atônitos, tão surpreendente sempre, que eu até penso que não fui bem.Eu ali despida de mim mesma diante daquela audiência embasbacada com minha performance. Brotam elogios sinceros, reflexões fantásticas. Ainda sinto que quando vou entrar em cena vou morrer, é um lugar desconhecido sempre, como todo ser humano. No camarim improvisado. Minha surpresa incrível foi a chegada de uma amigo e meus amigos conhecem minha alma e me protegem, ele permaneceu ao meu lado, sem pronunciar palavras, só a sua presença e ombro amigo, me deu força e colo.. Eu ainda não consigo intender porque eu quero mostrar meu trabalho, fruto de anos de pesquisa e aprimoramento e ao mesmo tempo quero me recolher e buscar dentro de mim outros espaços. Esta dialética entre o que sou e o que estou fazendo na terra. Um movimento assustador para fora e uma vontade imensa de não ser em cena. Compreender esta dicotomia me deu muita consciência do que eu sou e do que me faz feliz. Dançar me faz muito feliz, mostrar minha alma transparente em cena ainda me assusta. É um diálogo interessante. Recentemente perdi o controle de minha imagem, dancei na câmara dos deputados, era uma sessão solene para comemorar o dia internacional do Yoga, com a Deputada Érika Kokay, o embaixador da India e autoridades. A sessão foi filmada, e naquele momento percebi que perdi o controle de minha imagem. Quando entrei em cena eu vi aquele mar de celulares. Depois da apresentação eu agradeci muito por estar num estado de concentração tão profundo que ignorei tudo, era o meu lado para dentro que expressava para o público minha nudez e verdade que emanava dos meus gestos. Quando finalizei a apresentação todas as pessoas que me assistiam me olhavam com encantamento,sentiram que a arte transforma até um ambiente que é alvo de críticas, ódio e até idealismo ou simplesmente o palco das decisões que podem ser deletérias. Me sinto aliviada por ter avançado mais um passo em direção à mim mesma, começando a acolher minha sombra e me aceitar como sou. E percebi que minha arte está em processo de mutação, minha investigação sobre a cultura oriental está em pleno mergulho e me sinto mais livre, para ser selvagem, incorrigível, mas continuo Não nasci para ser moldada e catalogada. A vida é impermanência e resgate constante de partes adormecidas em nós. Realmente eu posso até passar pelo mesmo rio, mesmo sabendo que não sou a mesma, permanecendo fiel à minha identidade. Pode ser paradoxal, mas nascemos para a descoberta, para criar junto com os deuses o milagre da vida. Fiquei sabendo sobre a origem da palavra pecado: quando os peregrinos iam para Meca, muitos não conseguiam cumprir com a sua missão e não chegar ao seu destino era um infortúnio, portanto pecado é você não encontrar o seu caminho, não buscar saber quem é você. Esta apresentação aconteceu há quase um mês, e fiquei surpresa por não ter escrito nenhuma linha sobre o que vivi naquele momento. Então eu sei que ainda não postei o vídeo aqui e que ainda falta uma pouco para construir esta multidão que mora dentro de mim, ou como aquele livro do Escritos Artur da Távola,O visconde partido ao meio, eu me sinto assim, uma parte minha quer dançar para todos e a outra parte quer ficar num lugar distante.

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