VER O INVISÍVEL

Estava em plena manhã ensolarada, me preparando para minha aula, no caminho senti alguém me olhando.Era um cidadão em situação de rua, todo maltrapilho, com as mãos ocupadas por um cigarro aceso numa mão e na outra um copo contendo uma bebida de cheiro desconhecido. Ele parou na minha frente e me pediu um abraço, eu abri os braços e dei aquele abraço, ele me olhou nos olhos e me disse: -"você é maravilhosa e deve ser de outro planeta", eu só agradeci. Agora estou agradecendo a mim mesma, por ter visto a dignidade dele e honrado com respeito. Acho que foi a energia do espetáculo de teatro Navalha na carne, do dramaturgo Plínio Marcos. Simplesmente a radiografia do submundo da prostituição, é uma trama tecida entre Neusa Sueli uma prostituta que sofreu tanto abuso e apanhou tanto da vida que ficar de pé é um detalhe, Vado seu cafetão e um homossexual o Veludo. O conflito acontece quando o Dinheiro que Neusa Sueli recebeu desaparece e ela sofre todo o tipo de humilhação. O teatro tem este poder de abrir estas feridas e cortar a nossa carne com a realidade de quem já nasce marcado para sofrer.Eu fiz uma prostituta no espetáculo de teatro a cidade no grupo Caleidoscópio do Diretor André Amaro. No espetáculo tem uma cena que sou "emrabada" pelo seu cafetão, um simulacro da pequena sordidez humana. Na época, entrevistei várias mulheres, putas que me ensinaram muito sobre dignidade, sobre como se manter forte enfrentando a vida com coragem. Este espetáculo foi um divisor de águas na minha vida, por que a cena era feita comigo encarando o público com os seios à mostra, era um soco no estômago ver esta prostituta receber o dinheiro com a boca e ao mesmo tempo era poético e transgressor.Ficou comigo esta fala da Neusa Sueli.-"Às vezes chego a pensar –poxa, será que sou gente? Será que eu, você, o Veludo, somos gente? Chego até a duvidar. Duvido que gente de verdade viva assim, um aporrinhando o outro, um se servindo do outro”. Ao que Vado responde: “É… É mesmo”, para logo em seguida, no entanto, emendar: “Você tá uma velha podre”. Na montagem o cafetão responde devolvendo a pergunta: “É… mesmo. Será que somos gente?"

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