A MULHER MONSTRO

Assisti um espetáculo de teatro dentro da programação do Festival Internacional de Teatro de Curitiba. O nome do espetáculo: A mulher Monstro. Um monólogo encenado por um ator fantástico. Este ator com as marcas profundas da opressão e com uma profunda coragem de usar o teatro como uma voz, o seu corpo como o grito de muitos que não têm mais o corpo onde "a ausência do corpo é a verdadeira fake News". Este espetáculo aconteceu na minha vida por acaso, minha aula de dança clássica Indiana havia sido cancelada e eu aproveitei para buscar um espetáculo para assistir.Foi quando li a sinopse do espetáculo que fiquei estarrecida. O espetáculo tinha sido censurado pela prefeitura de Curitiba.Fiquei tão indignada que fui às ruínas de São Francisco, local da apresentação para ver o espetáculo e esfregar na cara daquele Prefeito que não se trata um ator assim.Sentei para esperar e percebi que o cenário era uma Jaula e o ator na ausência de camarim, já estava em cena nos recebendo. O sentimento era coletivo todo mundo querendo entender como chegamos a este ponto de retrocesso. Teatro ao ar livre, o público chegando e eu me senti em Epidauro. A Grécia antiga era ma civilização que tinha o teatro como o lugar para se ver e dentro do rito a população se via diante de si mesma, exposta em carne viva em plena purificação e catarse. E foi exatamente o que aconteceu. O texto é uma adaptação de um conto do grande escritor Caio Fernando Abreu que inclusive teve o texto censurado na ditadura e só foi publicado dois anos antes de sua morte. Nesta montagem o foco foi usar a fala da hipocrisia, intolerância, homofobia,racismo, da opressão à mulher, ao pobre,religião, numa overdose de vozes que agora estão autorizadas e podem se manifestar por que estão muito bem representadas por um governo fascista. O ator neste monólogo representa um ser que pode ser uma mulher ou qualquer um de nós, ele entra em cena com uma máscara como se fosse um bicho enjaulado, uma besta, uma sátira, nem sei se tem o feminino de sátiros, ela era metade mulher, com as pernas com um pelo que lembrava pelos de ilhamas. E quando a máscara caiu, as palavras saíam como um vômito e toda a sorte de palavras jorraram sobre nós. Era uma radiografia tão convincente dos tempos de intolerância que num certo momento da peça, uma senhora negra não entendeu o discurso do racismo e partiu para o ataque, uma negra que ficou indignada, uma metalinguagem incrível onde não havia mais platéia e público, nós estávamos todos com nossas máscaras sociais e preconceitos expostos. Muitos gritaram contra a mulher, a opressão dentro da opressão, outros a apoiaram. E o ator? Com toda a sua humanidade interrompeu o espetáculo e disse: - "Eu sou Gay, nordestino me deixe continuar, não me censure novamente". Incrível que ela sentou e deve ter percebido a força do teatro e o porquê dele, o teatro, representar um perigo para regimes autoritários. Nós da plateia completamente tomados de emoção e vontade de tirar o governo do poder,unimos nossas vozes de indignação, sacrificamos nosso bode como oferenda e redenção. Nós precisamos acolher a diferença, recriar a palavra que desceu amarga para nós roendo nossa garganta, rascante. Sim, as palavras ferem e hoje ela é usada para desferir golpes sem dó. Mas ainda dá tempo de tirarmos nossas máscaras. É preciso libertar a mulher monstro que habita em cada um de nós,esta prisão social imposta por um sociedade não quer perder seu privilégio,a minoria rica ainda acha que mora na casa de engenho. O texto impressiona por que são relatos reais, recortes do nosso cotidiano e que o abismo da banalidade deixou natural, desrespeitar alguém por ser diferente e não caber na forma. EU vi neste espetáculo a força do indivíduo diante da multidão barulhenta e ignorante, e fiquei convencida de que Sim "um galo pode tecer uma manhã". Evoé! Ficha Técnica S.E.M. Cia. de Teatro (Sentimento, Estéticas e Movimento) - Direção: José Neto Barbosa - Companhia: Diógenes Luiz, José Neto Barbosa, Mylena Sousa, Renata Marques, Sergio Gurgel Filho

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