KALUNGAS: AS ALMAS VIVAS DOS VÃOS

Por Franca Vilarinho ww.francavilarinho.com.br - franca.vilarinho@gmail.com Os Kalungas são descendentes de escravos que na época da escravidão foram comprados na Bahia e trazidos para trabalhar na garimpagem de ouro no nordeste goiano. Lá sofreram maus tratos, foram açoitados e mantidos em cativeiro. Os que fugiam criavam pequenos núcleos de resistência, conhecidos como quilombos – o mais conhecido foi o de Palmares, no Estado de Alagoas - que se espalharam por toda a região. E estão lá até hoje. Estabelecidos em uma área de mais de 230 mil hectares, que abrange três municípios de Goiás: Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, a 320 km de Brasília. Un passé bien présent... O difícil acesso à região os manteve isolados por quase 300 anos. Assim, conseguiram preservar boa parte de suas tradições ancestrais, como a dança súcia, crendices e curas com plantas medicinais, herança dos antepassados africanos. Em 1982, a antropóloga Mari Baiocchi fez contato com a comunidade e apresentou um levantamento sociocultural dos Kalungas. A partir daí, governo e sociedade voltaram os olhos para os diversos problemas enfrentados pelos Kalungas. O País viu resquícios do período escravocrata nos quilombos espalhados pelo Brasil e diversos projetos foram desenvolvidos, principalmente na comunidade Engenho II, principal beneficiária dos projetos destinados ao Kalungas que obteve grandes investimentos e foi descaracterizada. Enquanto isso, no Vão de Almas e no Vão do Moleque, tudo conserva-se quase como no século 19. A vida dura e sofrida não melhorou, seguem excluídos e invisíveis para a grande maioria dos outros Kalungas, que se avizinham ao século 21. Diz uma lenda que o povo dos Vãos não queria relações com estranhos e saia correndo, sumindo entre a luz e a sombra dos vãos, para se esconder dos olhares curiosos dos estranhos que rondavam a comunidade. Por outro lado, os visitantes que só conseguiam ver vultos, intrigados com esse estranho hábito, começaram a chamar o lugar de Vão de Almas. Muitos Kalungas ainda vivem no século 19. Não têm luz elétrica, não têm estradas, crianças estudam em escolas improvisadas. Quando chove, os rios isolam a população e não tem aula. O cavalo é meio de transporte para encarar as serras. O que permanece do passado são a fé, as tradições e a cultura, presentes nas festas e nas lavouras, herança dos antepassados transmitida oralmente. Quando morre alguém, leva consigo parte da história, já que o analfabetismo é um problema social ainda presente na comunidade. A despeito de tantas adversidades, a região tem muitos atrativos turísticos: cachoeiras, cânions, trilhas e 90% de natureza preservada. Os Kalungas são festeiros, valorizam suas raízes, sua história e sua cultura. Prezam seus ritos, como a Festa do Império e o levantamento do mastro do Divino, a coroação do rei e da rainha, a Festa do Divino, suas danças ritmadas e o colorido de suas roupas, assim como seus alegres saberes. É nas festas que sentimos o pulsar do sangue negro, onde o sagrado e o profano se misturam. Franca Vilarinho, jornalista (MTB – 458/Df) e fotógrafa. Acompanha e fotografa os Kalungas desde de 2004, viu a luz invadir as primeiras casas do Engenho II e parte do Vão de Almas e o encantamento do povo com a novidade. Viu também a tristeza do povo que vive no Vão do Moleque que ainda sofre até hoje com a de energia elétrica. As imagens são o registro de um povo rico de história que apesar das adversidades sobrevivem com muita dignidade. ww.francavilarinho.com.br - franca.vilarinho@gmail.com

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