O NASCIMENTO DE UM PINGO

Montamos uma peça de teatro, com um roteiro criado por mim, baseado no livro da Silvia Ortoff, intitulado Eu chovo, tu choves, ele chove. Nossa pequena equipe, formada por três professoras.As crianças, estudantes de escola pública, com pouco ou nenhum contato com o teatro. Era para chamar a atenção dos alunos sobre a questão da água e os desafios de preservar a água no planeta. Durante os ensaios, tinha um aluno muito tímido, que andava com os olhos plantados no chão.Havia uma angústia entre nós e um instinto de proteção de colocar nosso estudante dante do público formado por crianças que têm como melhor qualidade a verdade e a transparência.É que se tratava de personagem muito importante no contexto do roteiro da peça de teatro, e não havia de nossa parte, a vontade de destituí-lo da participação do projeto. Nosso grande objetivo é o processo e como a nossa poesia estava focada em levantar naquelas crianças o poder adormecido nelas, era fundamental vê-lo superar e chegar até o fim, para mostrar através do teatro o seu poder de transformação. No grande dia, estávamos no nosso camarim improvisado na biblioteca.As crianças nervosas e ansiosas e nós, confiando no processo deles.No momento da caracterização do seu personagem que se chamava pingo, nós começamos a criar um círculo mágico, espontâneo, eu vi que uma professora começara a pedir para ele afirmar bem alto que ele era o pingo, vendo aquela situação, eu pedi para ele bater os pés para ele ancorar suas raízes e pedi para que o grupo todo se unisse naquele momento. Todos nós em torno dele, batendo os pés e fechando as mãos com punhos. De repente todos começaram a cantar em grupo pedindo para o pingo nascer: nasce pingo! Depois aconteceu um grande silêncio quebrado pela voz do nosso aluno dizendo que era o pingo. Emoção pura! Na hora da apresentação, nós soltamos nossos alunos e permitimos que a existência cuidasse deles. Antes da apresentação um outro aluno sofre um acidente e quebra um dente na frente, eu fiquei muito abalada e já era o momento de entrar em cena. Nesse momento chega a diretora da escola muito amorosa e conversa com esse aluno, com tanto amor e ao mesmo tempo lhe dando uma lição de vida. Ela falava com ele sobre os acidentes que podem acontecer na nossa vida e como nós temos que ser fortes para superá-los e enfrentá-los e que a mãe dele o levaria ao dentista e aquele dia ia ser remendado como o dente dele. E assim neste pequeno universo de caos e luz,a peça finalmente começa e o pingo simplesmente surpreendeu a todos nós. O pingo nasceu! Que felicidade ver a alma de um aluno vibrar e se iluminar isso não tem preço. Foi um momento de muita celebração, um momento de muita poesia, onde todos nos reunimos para ouvir histórias narradas por crianças para crianças.No final, as crianças ganharam picolés e nós nos abraçamos, eu lembrei e comentei com o nosso aluno, que ele tinha nascido, e um aluno comentou pingo você reviveu! Todos perceberam e outra aluna disse que um pingo tinha caído do céu. Antes da entrada em cena dos alunos, eu falei para esse estudante que agora ele tinha a força do grupo, que ele não estava mais sozinho, e ele entendeu o que é a força do grupo e como ele pode buscar dentro dele a força que ele precisa para mover seus passos na vida. Esta é a força do teatro: Devolver nossa potência e nosso lugar e o significado de ter o sentimento de pertencimento de protagonismo, é a força da arte. Naquele momento diante de nós um pingo nasceu e vai virar oceano! Nossa escola é pequena,um pequeno pingo, mas está se transformando num oceano, dentro do enorme desafio de educar com alma no Brasil.

Comentários

  1. Que belezura, tive a honra de presenciar e participar do nascimento desse pingo, só tenho gratidão à todas, a todos 🌱🌿🌾🌳

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    1. Sua sensibilidade, caráter e profissionalismo foram fundamentais nesse parto!" Criar é parir a si mesmo"!

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