A GEOMETRIA DO CORPO E A CONTEMPLAÇÃO DO MISTÉRIO

Da curiosidade à contemplação do mistério. É o caminho do sagrado. Não é religião. A diferença do profano e do sagrado é só o quanto você sabe sobre um determinado objeto de estudo. A diferença entre o profano e o iniciado é só o quanto que você sabe, porque para se começar o caminho você precisa ter em si algo que o permita começar o caminho que vai além da curiosidade,que significa uma fome não definida de conhecimento. A minha busca espiritual é inerente à dança e levou-me ao estudo da filosofia,Conhecimento acadêmico, filosófico e a relação com o objeto pesquisado. Sou movida por alguma coisa que me faz dançar, que faz a minha vida fazer sentido é uma meditação em movimento. Arte no meu conceito é o território de investigação da condição humana é onde volto para minha casa, o meu corpo. Cada parte dele é celebrado em torno de uma investigação de mim mesma, que torna minha existência próxima ao sublime. A dança como literatura, filosofia junto com o pensamento espiritual e emocional. Uma cerimônia. No entanto não "baixa" nada. A dança pode sim criar uma atmosfera ritualística e onírica. Um estado de presença, uma aura.Esse efeito visual, sinestésico e atmosférico não é acessado facilmente é preciso uma iniciação e um estudo aprofundado de si mesmo e da linguagem. Um treinamento corporal intenso. Interessante é que para a dança me encontrar precisei assimilar um vazio e uma inconsistência na minha alma, eu não cabia no mundo. E na busca por consistência busquei os templos e uma vez iniciada nunca mais parei de estudar e buscar o que alimenta minha alma. O primeiro aspecto que pesquisei foi esse efeito e como assimilar essa presença em mim, esse efeito de estranhamento e familiaridade que evoca uma apresentação criando um estado de hipnose e mergulho no universo de sonhos e imagens, onde a dança dialoga e provoca um efeito no espectador.Para se ter uma ideia deste efeito, o encenador francês Antonin Artaud (1896-1948) ficou tão impressionado com a dança Balinesa que o seu efeito foi devastador, ele reinventou uma maneira totalmente inovadora de ver o teatro ocidental e que até hoje é objeto de estudo e pesquisa, mesmo não tendo deixado um método prático. Bertold Brecht, o dramaturgo Alemão (1898-1956) também percebeu códigos e signos no oriente através da ópera de pequim que contribuiu para a criação do "efeito de distanciamento" na atuação dos atores.Só para citar alguns exemplos deste diálogo oriente-ocidente.Na dança Laban( 1879-1958) o coreógrafo, dançarino e considerado o maior teórico da dança do século XX, ficou fascinado pelos dervixes quando em uma de suas viajou foi para o oriente. Isso para citar alguns exemplos de como a arte no ocidente se reinventou a partir o efeito da arte oriental. Claro que este diálogo aconteceu do oriente para o ocidente também, O butoh é fruto do contato com a dança expressionista Alemã, mas eu me refiro aqui ao oriente que contribuiu para a mudança de paradigmas no ocidente. Atualmente nem é tão radical esta distinção, a ampliação das fronteiras estão ampliando o nosso olhar. O segundo caminho que percorri foi o caminho da geometria impressa no corpo que reproduz como na natureza, as propriedades matemáticas, a harmonia do assimétrico, daquilo que desconhece a linearidade e a lógica daquilo que provoca o equilíbrio, as partes iguais.Uma investigação que começa com a imperfeição, a pequena peculiaridade a deformação, a discrepância. Na natureza a geometria sagrada tem um padrão que rege todas as formas existentes, presentes em cada detalhe do nosso corpo, nas sementes dos girassóis, nas espirais, nas galáxias. Este conhecimento é muito profundo e exige muito estudo,estou longe de entender a proporção áurea, mas encontrei este conhecimento na gestualidade da Dança Clássica Indiana,onde o corpo é uma forma geométrica e cada parte, é como se fossem fractais. Fractais vem do latim fractus, que quer dizer quebrado, é um objeto geométrico que pode ser dividido em partes e cada uma das quais semelhante ao objeto original. Nesta dança o corpo é feito de ângulos e cada parte é treinada separadamente para criar o todo. O equilíbrio é feito de partes que se unem ao todo através da total falta de lógica e com inúmeras combinações de direção, tempo e lógica para criar a forma perfeita, apolínea. No entanto sou Dionisíaca e Shivaísta, o caos faz parte do meu sistema. Por isso minha pesquisa tem o princípio oriental, porque estou entre a o Apolíneo e o Dionisíaco. Eu posso partir da rigidez da forma perfeita para encontrar o desequilíbrio da fragmentação na separação de todas as partes e ao mesmo tempo, como Isis a Deusa do Egito juntar todas as partes e renascer através do caos. Porque o primeiro encontro com esta arte por um ocidental é marcado pelo caos no cérebro e na alma. É uma entrada no portal do total desconhecimento das fronteiras do nosso estado mental tendo o corpo como a chave de todos os mistérios. É um estranhamento de posicionamento de cada parte do corpo de forma não linear, é experimentar não saber onde o braço vai estar e que posição da cabeça, pés, mãos e olhos, o corpo vai ocupar no espaço. O corpo tendo uma experiência de total estranhamento para encontrar a sua ordem. Este é um dos efeitos mais poéticos que podemos acessar através do nosso corpo, a permissão para não entender nada e ao mesmo tempo sair se fazendo sentido. É uma experiência única de entrar no caos e na ordem e "abrir as portas da percepção". Este é o legado da tradição oriental sentir com o corpo a contradição da condição humana e da vida que é feita de impermanência num jogo de claro e escuro.

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