DANÇA DA CHUVA

Estou pesquisando sempre o eixo que emana na transição do efeito da dança na dançarina e o trabalho da dançarina sobre si mesma. Um corpo que pode ser afetado pela registro do movimento e pode afetar o outro. Primeiro eu descobri que posso rezar com o meu corpo, principal herança da dança indiana, depois descobri que posso me conhecer e curar minhas emoções através de várias técnicas corporais terapêuticas. E meu caminho foi alargando e cada processo de aprendizado fui incorporando a mim mesma e consequentemente minha forma de dançar que foi mudando também. Descobri que meu corpo tem memória, carrega crenças e toda a bagagem dos meus ancestrais.São tantas descobertas incríveis que dançar virou um grande oceano. Agora quando danço eu sinto que faço parte de um processo de descoberta de mim mesma.Eu sei que é uma pesquisa de linguagem. A dança não aparece do nada, ela é fruto de estudo e treinamento, mas no meu caso estas influências acabam virando mistura, simbiose, sabedoria. Deve ser isso que emana da minha alma quando entro em cena. Talvez a alquimia de transformar dor em beleza, alegria em criação que pode ser o que a verdade dos meus gestos comunicam. Porque é o meu maior objetivo em cena ser verdadeira e profunda, conversar simbolicamente através do meu corpo e levar uma atmosfera amorosa e de sonhos. Rubens Alves me surpreendeu com uma imagem incrível num texto autobiográfico no seu livro o sapo que queria ser príncipe, ele escreveu que uma Aranha tem que tecer a sua teia a partir de si mesma, mesmo que esteja tecendo a teia sobre o seu próprio abismo, e que ele também estava tecendo sua teia a partir dele mesmo, mas que esta construção sairia precisamente do seu coração. Eu me li através dele. Eu acredito que nisso consiste a maior beleza da arte, principalmente a beleza de um livro, porque é no silêncio de nós mesmos que trocamos nossa alma com quem escreve,e nesta troca se revelam mistérios contidos intransponíveis é uma descoberta solitária e honesta, uma troca direta. Infelizmente poucas pessoas têm esse privilégio de encontrar sua alma e iluminar alguma coisa dentro de si. Deve ser por isso que tudo está ficando tão homogêneo e intolerante. Essa coisa de se usar muito os dedos em detrimento do cérebro pode causar uma humanidade possuída por imagens de si mesma e como Narciso poderemos cair num abismo afogados por nós mesmos. Eu não sou contra nada,mas fico preocupada com a arte que será produzida no futuro. Em pleno século XXI, onde eu pensei que tudo havia sido feito e transgredido, ainda somos surpreendidos com a censura e boicote à criação. Ando buscando uma arte que é feita à maneira das Aranhas, sou incapaz de dançar algo que não esteja num processo simbiótico comigo mesma, minha arte é um reflexo de mim mesma e da teia que vou tecendo a partir de mim mesma. Ultimamente continuo tendo a índia como referência de pesquisa, mas os temas que danço tem muito mais a ver com a minha busca espiritual e existencial.A dança é o meu instrumento de crescimento e sei que meu corpo está abrindo espaço para esta dança que é uma cerimônia, um convite para se dançar na alma de quem assiste. Este ano estou fazendo apresentações dentro da programação de uma mostra de dança, cujo intuito é levar a dança para cidades do entorno de Brasília. Ainda fico surpresa com aceitação de minha dança que é diferente de tudo, inclusive da dança clássica Indiana tradicional. Uma estética que apresenta referência à India e no entanto tem muito de minha essência e busca. Como chego à alma das pessoas em cena é um mistério para mim, principalmente as crianças ficam encantadas.O importante é que cansei de tentar me explicar e buscar respostas para o efeito que minha dança causa nas pessoas. Mas no momento estou aprofundando minhas teias que ainda estão em plena construção, ainda me sinto no abismo. Ontem no final da minha aula de Biodança, minha facilitadora me pediu para dançar a chuva. Eu me preparando para ir embora, todo mundo de pé; dancei diante de todas, era um público feminino, dancei chuva, e a sabedoria dos meu braços que eram sinuosos em contradição com o ritmo da terra que recebia batidas dos meus pés.Era uma pulsação, era força e intensidade.Eu estou pronta para viver, para dizer sim. Sem ensaio,coreografia e até concentração, eu aceitei ao convite inusitado e fora do contexto, eu nunca dancei para um platéia em pé, sem nenhum rito ou cânone da dança.Simplesmente fui eu mesma e nem senti necessidade de aplauso. A vida acontecendo dentro de mim por um instante. Eu não dancei a chuva. A chuva estava dentro de mim, virei água.

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