" EU SOU TREZENTOS"

Assisti um documentário sobre a guerra na Síria, mais precisamente sobre Komane, que foi invadida pelo Estado Islâmico e foi totalmente devastada.Os curdos perseguidos se refugiaram na Turquia, e aos poucos estão voltando para a sua cidade, suas origens e tentam reconstruir o que sobrou da cidade. Me chamou a atenção uma mulher que encontrou sua casa toda destruída e não estava lamentando nada e sim estava feliz por voltar para suas memórias, sua cultura e por estar viva. Outro ser humano incrível se dedicou a difícil missão de desativar as bombas que foram deixadas,ele arriscava sua vida para salvar as gerações futuras de morrer caso uma bomba explodisse, e foi o que aconteceu com ele, que morreu tentando livrar os habitantes de sua cidade de mais mortes.Fiquei muito impressionada com a humanidade retratada no meio de uma total falta de recursos, falta água, saneamento básico, comida, praticamente tudo e mesmo assim eles preferem voltar a viver como refugiados. Eu vi beleza naqueles olhos que já viram tudo que contém o terror, beleza no meio do sofrimento, uma vontade de resgatar em cada gota oferecida o valor da vida, a importância do humano. Pensei na nossa cultura ocidental que fala tanto de paz e amor e ao mesmo tempo está tão amortecida e anestesiada que a dor do outro não é vista. Fiquei contemplando aquelas histórias, como o médico que está cantando e resgatando as danças e cantos como resistência e sentido, a esperança. Deve ser por isso que nós precisamos da arte,para nos mostrar o caminho de transcendência da dor ou alguma resposta para o sofrimento. Estudei na faculdade o gênero teatral teatro do absurdo, as primeiras peças de teatro que trabalhei como atriz foram " A cantora careca" do Dramaturgo Eugéne Ionesco (1909-1994) e do Qorpo Santo (1829-1883- Porto Alegre), escrito desta forma mesmo, que me fizeram pensar na condição humana e o paradoxo do cotidiano. Eu nunca pensei que até chegar com todo o peso da verdade na minha cara, que tudo o que eu via de falta de sentido na condição humana através das relações humanas eu presentifiquei no meu corpo e na minha voz em cena, foi uma ligação automática que deu nome a todas as contradições da minha família a tudo o que via. E foi numa busca incessante por sentido e beleza que decidi investigar a condição humana pela via da beleza transcendendo a dor, porque eu sei o quanto me custa caro me sentir incompreendida. Quando entro em cena é por pura tentativa de ser aceita deixando minha alma nua, meu corpo pensamento cansado de me entender e fazer parte da espécie humana, é quando todo o meu estado de espírito pequeno e rotulado, transbordasse a embalagem que sou para muitos e minha humanidade saísse refletida, é como se minha vida a partir daquele momento passasse a fazer sentido e a vida deixasse de ser assimétrica, apesar de que a beleza da vida está na simetria da assimetria, no equilíbrio no desequilíbrio e na impermanência. Ultimante ando chorando e rindo ao mesmo tempo, acho que estou começando a entender que sou trezentos, igualzinho me ensinou Mário de Andrade(1893-1945). Estou escrevendo ao som de dos Beatles, Let it be, deixa estar.

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