BLADE RUNNER

Ontem vi uma senhora grávida no último lugar num caixa de auto-atendimento, eu estava numa posição privilegiada na fila e estava lendo um livro, enquanto aguardava a minha vez. Num gesto intuitivo olhei para trás e vi aquela senhora com uma barriga enorme numa postura conformada esperando sua vez resignada. Eu simplesmente não aguentei, chamei a senhora e pedi para que ela fosse para o início da fila,lugar seu de direito.Observei as pessoas na imensa fila, todos indiferentes, a maioria impacientes loucos para pagar contas, sacar dinheiro, a maioria amortecidos diante da tela dos seus celulares e absortos nos seus mundos,cada um dentro de sua caixa. A senhora se aproximou de mim muito agradecida, me dizendo que o seu filho ia nascer nesta semana.Realmente fiquei pensando nesta criança que já vai nascer num mundo onde espaço e tempo são relativos e a percepção da realidade está cada dia mais refratária.Só nos resta intender o absurdo em que vivemos. O corpo continua sendo visto como pecado,para uma parcela da sociedade que ainda está vivendo na Idade Média e a arte como sempre é um espelho da sociedade. Foi visível a elevação do termômetro do conservadorismo diante da relação corpo, espaço,tempo.E o que era para provocar reflexão se transformou em discurso de ódio para muita gente que não busca o sentido profundo das coisas e vive mergulhada no discurso oficial.Minha abordagem aqui é sobre a crise de idéias e a ignorância de um pais que não dá acesso à população à arte, ainda que isso está de fato acontecendo diante dos nossos olhos e o governo realmente está abolindo o ensino de arte nas escolas, praticamente de uma maneira difusa e evasiva, como é feita hoje nos moldes da ditadura do mal gosto. É uma crise de percepção que reduz o olhar sobre o outro e a empatia. Isso está criando uma crise e deixa claro como ficamos automatizados e movidos à ressentimentos e intolerância com as escolhas do outro, porque se não trabalho minhas emoções, memória e alma, o corpo não mergulha em profundidades e nada nos afeta.Como no filme Blade Runner que nos dá a sensação de que as máquinas são mais humanas que os humanos. Vi uma matéria sobre um japonês que casou com um robô. O que eu sei é que ainda falei com todos na fila, que se alguém reclamasse chamaria o guarda para assegurar o direito dela.Indiferença total, estava falando com mortos vivos. Ninguém da fila teve nenhuma reação, o negócio era o dinheiro e cada um com o seu cada um. Mas o que isto tem a ver com o meu blog? Escrevo sobre as minhas sensações no meu corpo e a relação com o espaço e o que percebi nesta fila foi uma realidade muito comum, o fato é que quanto mais distantes de nós mesmos, mais geramos indiferença em relação à realidade que nos cerca. Como o personagem do livro o estrangeiro do escritor Albert Camus, o Sr. Meursault, uma figura absurdista, que mostra a crise do homem do seu tempo: um homem sem projeto pré-dado, sem destino e, principalmente, sem sentido algum na sua existência. A experiência no corpo é que nos faz sentir a vida em nós, o milagre da existência. É quando eu percebo no meu corpo o lugar que ocupo através do espaço que abro dentro e fora de mim. É quando a vivência no corpo te afeta e te faz afetar.É quando os olhos passam a descobrir a experiência no cotidiano, onde devolvemos nossa humanidade para a nossa casa,nosso corpo.

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