DANÇAR A TRANQUILIDADE NO CAOS

Dançar exige um desequilíbrio no equilíbrio. O treinamento em danças do oriente meu trouxe uma capacidade de olhar para o meu caos, criar movimentos que não são lineares. Como numa escultura em movimento, posso levar os meus braços em direção oposta à cabeça e deixar as pernas em várias direções, sem perder o equilíbrio. O movimento não linear proporciona uma grande conexão de sinapsis no cérebro e liga os músculos adormecidos. Quando o cérebro recebe diferentes estímulos criamos uma sensação de bem estar e elevamos nossos estados mentais. Através da fragmentação o corpo se organiza e encontra o seu centro. A configuração da vivência do espaço e as nuances do viver com o ato de dançar.Cada gesto se constróe e nos ajuda a construir a nossa gestualidade. Rudolf Laban (1879-1958) dançarino,coreógrafo, musicólogo, teatrólogo, considerado o maior teórico da dança do século XX , dava aulas em espaços abertos e relacionava a dança com cada elemento da natureza, criava através do compartilhamento de memórias. Participei e vivi esta experiência radical da relação do corpo e lugar, numa experiência transcendental de Xamanismo e Biodança. Mergulhei muito fundo em águas desconhecidas, onde tudo foi vivenciado através do corpo. Fiquei dentro dentro de mim num espaço que se desvelava numa experiência profunda de vivenciar Deus dentro de mim sem intermediários e ver de forma clara meu dom. Entrei em contato simbiótico com a dança e percebi que a única maneira de me manifestar nesse mundo é dançando, oferecendo beleza, curando através do encantamento. Este ensinamento que recebi é a base de cura para o planeta. Todos nós podemos curar o outro através do nosso dom. Somos seres dotados de um chamado da alma dentro de nós que é o que só nós podemos fazer, porque somos únicos.Ainda nesse trabalho de imersão, fomos convidados a dançar com a sabedoria dos animais e cada animal segundo a necessidade e busca espiritual de cada um que dançou com o seu animal. Para mim surgiram muitas borboletas. Confesso que na hora fiquei frustrada, porque queria um tigre, uma águia, um leão, animais fortes e veio borboleta que é delicada, frágil, bela, metamorfose e mutação. Como sempre vivi e criei no caos, foi complicado saber que sou impermanência, além de saber que a vida é mutação. Nosso facilitador xamã, nos deu uma aula sobre cada animal. E quando ele falou da borboleta fiquei feliz. Porque a borboleta é o retroprojetor da natureza, ela é lagarta, vira uma massa disforme para depois virar borboleta.Significa que ela simboliza a certeza da ordem no caos. Percebi imediatamente que danço a tranquilidade no caos, como me disse um grande amigo. E depois desta experiência de me apropriar do que sou e do que vim fazer aqui, participei de uma roda de mulheres noite adentro, com a lua a nos iluminar, cada uma dançando o seu animal de poder depois de uma mergulho na água, no fogo, na terra e no calor do tambor. Nos tornamos irmãs de alma. Ofertamos nossos corpos e nossa cura para o mundo. No dia seguinte muito cedo, dancei no mirante para a natureza, ao som do vento, sem medo de ser eu mesma. Ontem sonhei com uma borboleta gigante tentando me sufocar, lutei com ela e num determinado momento olhei para ela, eu encarei o seu olhar e naquele momento ela se despedaçou e eu pude ver suas pétalas quebradas voando pelo espaço etério. Eu sonhei sendo o próprio caos e de frente para ele encarei minha própria mutação, impermanência e loucura. Acordei sem medo de mudança. Amanheci certa de que meus caminhos como minha dança são sinuosos e que o inefável me acompanha e por isso nunca serei óbvia. Porque carrego dentro de mim o caos e a ordem. Como o Deus hindu Shiva nos ensina que muitas vezes precisamos destruir e deixar ir o que precisa, para encontrarmos a ordem. Shiva o Deus dançarino cósmico. O universo é uma dança.

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