POESIAS PARA A MÃE

Grandes almas conseguem transformar sofrimento e história de vida em poesia e beleza. A melhor maneira de estar no mundo com dignidade é honrar a própria história, se despir diante do amor. Revelar e retirar os véus. Quando reconheço uma alma com esta capacidade me curvo, faço reverência e agradeço por ser lembrada da beleza da espécie humana. E saí do teatro honrando Matheus Nachtergaele. Assisti sua peça. Ele nos recebe em cena e recebe o público cheio de barulho e vaidade, localizando o lugar para sentar. Diante de nós, um homem disposto a dividir conosco sua dor, expor seus nervos e visceras, erguendo o cálice da arte, cantando, com a coragem de quem vai enfrentar a morte e celebrar a sua dor, para abandoná-la de vez. Silenciosamente, começa nos contando que no dia do seu batismo,com três meses de vida sua mãe se suicida.Ele nunca superou perda tão dolorosa. Ganhou do pai as poesias da mãe na adolescência e guardou esse tesouro dentro da sua alma, na certeza de encontrar respostas um dia, assim interpretei, uma esperança de curar esta ausência. Em cena, o ator encena a alma de sua mãe. Que alma triste e solitária! Diante da vida e daquele bebê ávido de vida, está estampada na nossa cara, a radiografia daquela alma incompreendida na sua dor, apesar de estar cumprindo todos os protocolos que a sociedade e a família esperavam dela e ela esperava de si mesma, casar, ter filhos e ter uma função social. E muitas vezes o espelho quebra diante dos nossos olhos. Nossa imagem não está casada com com os cânones do que se convencionou chamar felicidade e chega um ponto que é difícil falar do inefável, falar da alma que não se enquadra em nenhum modelo de felicidade fabricado. São seres rotulados de depressivos e que têm a alma amortecida por remédios e palavras de "vai lavar um tanque", ou são tantas críticas e ignorância sobre o inconsciente que a alma se fecha e muitas vezes a morte é a única solução. Infelizmente muitas vezes não dá tempo do corpo encontrar a saída, um portal, um conforto dentro do que é um completo mistério. Matheus me mostrou em cena, como enlouqueceu e se cura a cada dia, lidando com o mistério deste acontecimento e como clamou por sua mãe no vazio de sua existência. E como compreender a morte premeditada de quem lhe deu a vida? Como seguir em frente? Tem uma cena mágica que Mateus senta ao lado do violonista, e sua silhueta lembra um útero. Para mim a arte é a mãe do Mateus. Através dela ele se encontrou e se construiu. E segue curando seu luto e nos dizendo que tudo tem jeito, se buscamos o caminho do amor e da beleza. Lembro do Kafka e a carta que escreveu ao pai, que nem sequer foi enviada, mas segue vibrando no astral, curando seres que como ele carregam um dor profunda da ausência de um pai. E assim fez Matheus, auxiliando o processo de muitos que choram a ausência da mãe, ou seja lá que ausência que pode até ser a ausência de si mesmo. Eu acredito que nossas dores estão a serviço de uma força maior. No final de sua jornada em cena, um ator no seu ofício, num corpo dilatado vaporizando emoções e energia nacarada nos embala, e o palco vira um grande útero.E ele nos convida a dançar valsa, junto com ele, entramos na cena da sua vida.Dançamos nossas faltas, vontades e desejos de superar nossas dores e celebrar nossa história.

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