OS DEZ MANDAMENTOS DO "TEATRO POBRE

" Polonês Jerzy Grotowski (1933-1999) foi responsável por algumas das mais importantes revoluções do teatro no século 20. Com seu conceito de teatro pobre, reduziu a cena ao essencial – 
1) É fazendo que se aprende
Depois do ator russo Constantin Stanislavski, ninguém mais explorou a natureza da arte do ator tão profundamente quanto Grotowski. Esta é a opinião do diretor de teatro inglês Peter Brook. O polonês priorizava a pesquisa. Seu objetivo deixou de ser o espetáculo. “Os ensinamentos dele iluminam meu trabalho artístico”, diz Celina Sodré, diretora da companhia carioca Studio Stanislavski. O encenador polonês, com quem ela teve contato nos anos 80, mudou sua vida. “Devo a ele praticamente tudo que sei sobre a arte do ator e da direção teatral.” Para Celina, o principal legado do diretor resume-se numa de suas frases: “O conhecimento é uma questão de fazer”.

2) Em cena, apenas o essencial
Nada de cenário, iluminação, trilha sonora, figurino ou qualquer outro artifício que não seja primordial à cena. O ator diante de seu espectador e ponto final. Principalmente na fase inicial de seu trabalho, assim devia ser o teatro segundo Grotowski, resumido na expressão “teatro pobre”. “Grotowski criou talvez o único teatro de vanguarda em que a pobreza não é um inconveniente. A falta de dinheiro não é uma desculpa para o emprego de meios inadequados, que sabotam experiências”, declara Peter Brook em Avec Grotowski (“Com Grotowski”, sem tradução no Brasil), livro em que relata sua convivência com o encenador polonês. Ao longo de sua trajetória, Grotowski reviu este conceito. “Mas seus estudos continuaram pautados pela essencialidade da cena”, afirma o principal seguidor do diretor, o norte-americano Thomas Richards, hoje à frente do Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards, centro de pesquisa e criação teatral fundado na Itália em 1986.

3) Livre-se de amarras físicas e psicológicas
Peter Brook costuma servir-se de uma parábola japonesa para definir a pesquisa de Grotowski. Conta a história de um monge cuja ambição era desenhar um círculo perfeito. Depois de praticar durante anos, escalar montanhas e recorrer a dois mestres em busca de uma solução, um sábio estende seu dedo sobre um pequeno nervo nas costas do monge e lhe diz: “Este é seu problema”. Segundo Brook, Grotowski consagrou a vida à procura da chave que liga o círculo perfeito ao pequeno nervo. “Ele buscava a relação entre as energias internas do corpo e suas expressões exteriores.” Thomas Richards destrincha mais didaticamente a pesquisa de seu mestre. “Um ator é seu próprio instrumento de trabalho”, diz. O ator só pode entregar-se inteiramente à cena depois de livrar-se de qualquer tipo de bloqueio, físico ou psicológico.

4) Torne visível o invisível
Grotowski é considerado místico e seu teatro tem fama de ser sagrado. Segundo Peter Brook, “o teatro de Grotowski é sagrado, pois seu objetivo é sagrado”. Em sua pesquisa, o diretor polonês se propõe a ultrapassar a comunicação racional. Ele não buscava a interpretação em cena, mas uma ação mais profunda e fundamental do que a emoção, algo que fosse tão vital quanto a própria vida. Ao evocarem cantos e danças ancestrais, alguns exercícios realizados por seus atores se assemelham a cerimônias ritualísticas. A equação divina, capaz de tornar visível o invisível, nada mais é do que a soma das energias mais primárias do ator, de sua entrega total em cena e das faíscas energéticas geradas por seu encontro com o espectador.

5) Seja verdadeiro no palco
Grotowski desenvolveu os estudos de Stanislavski sobre a arte do ator. Enquanto o diretor russo trabalhava com base em ações concretas, Grotowski buscava a força geradora destas ações, os movimentos não cotidianos, ligados a forças primitivas. Ele não estava interessado na técnica de um ator, mas na sua capacidade de transformar a representação teatral num ato verdadeiro. Para Thomas Richards, a chave reside em fazer do palco um campo de ação. “Não interprete, aja. As emoções reagem naturalmente às ações”, ensina. “Grotowski não pergunta como fazer, mas como liberar no corpo aquilo que o torna extremamente vivo, orgânico, potente e poético”, complementa o ator Renato Ferracini, integrante do Lume Teatro, grupo de Campinas cuja arte é influenciada pelos estudos do diretor polonês.

6) Menos forma e mais substância
Em 1986, durante um workshop de que Richards participou, Grotowski destacou uma das participantes pelo preciosíssimo (preciosismo?) de sua técnica. Dentre todos os que estudavam ali, ela era a que melhor sabia como estruturar uma cena. Segundo conta Richards, seus movimentos traduziam intenções de forma bastante clara. Ao término do workshop, Grotowski foi contra a inclusão da atriz no centro de estudos que ele dirigia. Concluiu que, apesar do talento raro, ela não fazia teatro para se desenvolver. Seu objetivo era brilhar em grandes espetáculos teatrais.
Para o diretor polonês, a técnica não era essencial. Ele via o teatro como veículo de busca espiritual.

7) Elimine a divisão entre palco e plateia
Grotowski foi revolucionário ao explodir os limites da cena, inserindo o espectador no ato criativo. O público deveria participar ativamente da montagem e, a cada criação, a relação palco-plateia precisava ser repensada. Em uma das mais célebres peças que o polonês dirigiu, Akropolis (1962), de Stanislaw Wyspianski, público e elenco se misturavam para encarnar prisioneiros de campo de concentração, confinados num crematório. “Grotowski fez com que o conceito de cenografia se ampliasse e se desconstruísse. O palco desapareceu e surgiu a ideia de uma sala vazia onde, a cada espetáculo, tudo é redimensionado”, explica Celina Sodré.

8) Quem conduz o movimento é o corpo, não a mente
Quando iniciou seus estudos com Grotowski, Richards se considerava o pior dos aprendizes. Tentava fazer cenas intensas na esperança de se sobressair. A relação com o mestre sofreu uma transformação quando, certo dia, o diretor observou seu andar em cena. “Ali havia organicidade”, disse-lhe o polonês. “Mas eu só estava andando de um lado pro outro”, respondeu Richards, então com pouco mais de 20 anos. “Você estava andando para alguém. Seu andar tinha intenção”, replicou o encenador. O discípulo de fato revisitava uma recordação. Tinha caminhado daquela forma quando, ainda criança, levou um presente ao seu pai no hospital. Compreendeu então o movimento natural do corpo. “A organicidade está quase sempre bloqueada por uma mente que tenta conduzir o movimento, dizendo ao corpo o que ele deve fazer e de que forma”, explica ele.

9) Não basta ser espectador, tem que participar
Grotowski queria retirar a plateia da posição de passividade e anonimato à qual estava habituada. Em A Sala de Estar, espetáculo criado por Thomas Richards com base na pesquisa do diretor polonês e que pode ser visto em São Paulo até dia 12, o espectador comporta-se como uma visita. Como o título da peça sugere, a obra se desenrola numa sala de estar. “Antes de ser convidado a entrar, o espectador recebe uma instrução: deve trazer algo para comer ou beber. Depois, age como se participasse de uma reunião entre amigos”, explica Richards. Acomoda-se em pufes e sofás e participa de uma espécie de cerimônia, na qual seis atores declamam textos evocando forças da natureza e entoam canções africanas e caribenhas. Assim, o espectador conquista sua individualidade em cena e contribui para o espetáculo com sua presença e com o fluxo de energia que troca com os intérpretes.

10) Abra-se para encontros reais
“Não se trata de instruir um aluno, mas de se abrir completamente para outra pessoa”. Assim Grotowski definia sua atuação como professor. Buscava o mesmo tipo de encontro entre ator e espectador. “Ele tinha uma capacidade rara de prestar atenção nas pessoas, de se entregar como ninguém”, explica ele, dando como exemplo o primeiro workshop que realizou com Grotowski. Na ocasião, depois de o grupo mostrar cenas nas quais estava trabalhando, o diretor chamou e conversou por cerca de quatro horas com cada ator. “Ele quis saber tudo sobre minha vida. Nunca fui entrevistado de maneira tão completa por ninguém.”
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